Um eleitorado de 40 milhões de pessoas é influenciado pelo programa,
que, especialmente no Nordeste, se tornou uma arma eleitoral incomparável
Gabriel Castro e
Laryssa Borges
“Quem de vocês aqui
gosta do Bolsa Família levanta a mão?”, brada ao microfone, do alto de um
palanque improvisado, o senador Lobão Filho, candidato do PMDB ao
governo do Maranhão, na pequena cidade de Barra do Corda
(85.000 habitantes). A plateia reagiu imediatamente com os
braços estendidos. O candidato continuou: “Isso me preocupa, porque os
nossos adversários estão unidos a Aécio Neves, que já disse em todos os jornais e
todas as emissoras de TV que é contra o Bolsa Família".
Filho do ministro Edison Lobão (Minas e
Energia), que orbita o petismo como representante de José Sarney há
anos, o candidato peemedebista convive com Aécio Neves no Senado.
Os dois são colegas. O
peemedebista sabe que o tucano nunca se opôs ao programa – pelo contrário,
é de Aécio a proposta para transformar o programa em política permanente de
Estado. Mas, nos grotões do Brasil, Lobão Filho utiliza um discurso
convenientemente falso. Mesmo um candidato ligado à
oligarquia recorre ao discurso de que os seus concorrentes são inimigos do povo
por causa de uma oposição fictícia ao programa.
Nas últimas semanas, os candidatos a presidente
(especialmente Dilma Rousseff) intensificaram as viagens a São Paulo para
tentar conquistar a simpatia do eleitor paulista. A razão é óbvia: o
Estado tem 32 milhões de votos, o maior número de eleitores entre as
unidades da federação.
Mas, na disputa deste ano,
também está em jogo um "colégio eleitoral" muito mais poderoso – e
leal: o dos beneficiados pelo Bolsa Família. São aproximadamente 40 milhões de
eleitores, espalhados pelas 14,2 milhões de famílias que recebem o
benefício. Esse grupo tende a votar na candidata petista com uma
fidelidade incomparável. E, claro, essa arma é utilizada à exaustão Brasil
afora, especialmente longe dos holofotes.
Neste ano, a Bahia foi a que mais recebeu
repasses do governo federal no programa Bolsa Família: 1,36 bilhão de reais,
segundo o Portal da Transparência do governo federal. As maiores cidades do
estado são as principais beneficiárias: Salvador, com 113,8 milhões de reais
neste ano, Feira de Santana, com 29,2 milhões de reais, e Vitória da Conquista,
com 21,9 milhões de reais.
Há mais beneficiários do programa na
Bahia do que em São Paulo, cuja população é três vezes maior. Mais em
Pernambuco do que em Minas Gerias. Mais no Maranhão do que no Rio de Janeiro.
Isso ajuda a explicar por que o Nordeste se transformou em uma quase
intransponível fortaleza eleitoral do petismo. Em 2014, até agora, o governo
destinou 10,5 bilhões de reais ao programa.
Jailza Barbosa, 33, desempregada, moradora do
bairro Cajazeiras, em Salvador, tem dois filhos, de 10 e 15 anos, e
recebe 134 reais por mês. “O candidato em que eu vou votar é o do partido que
me ajuda por causa do Bolsa Família. Não sei o nome dele, mas já estava com
isso na cabeça. O programa é muito bom porque me ajuda e é a única renda que eu
tenho hoje”, diz.
O número de beneficiários só tem
aumentado: em 2004, eram 6,6 milhões de famílias atendidas. A elevação desde
então foi de 215%, muito acima do crescimento vegetativo na população
– e se deu num período em que, segundo o governo, dezenas de milhões de
pessoas deixaram a pobreza. Os números ajudam a entender o que é fácil de
constatar in loco.
Na cidade Central do Maranhão, onde Dilma teve 96%
dos votos em 2010, é difícil encontrar alguém que saiba quais são os
adversários da presidente Dilma Rousseff. E a razão principal para o apoio
incondicional à petista, seja qual for o oponente, é apresentada pelos próprios
eleitores. Como o lavrador Carlos Azevedo: “Para mim, a candidata é a Dilma. A
gente tem medo de tirarem o Bolsa Família”, diz ele, ao lado da mulher, a
dona-de-casa Marinete Viana. Ela diz ter visto na televisão a informação de que
os adversários da presidente colocariam fim ao programa.
"Não me interessa saber quem são os outros
candidatos", declara Claudilene Melo, que trabalha como doméstica mas
também recebe o Bolsa Família.
O cenário eleitoral deve acentuar a importância do
Bolsa Família para a candidatura de Dilma Rousseff. A trágica morte do
candidato Eduardo Campos e a possível entrada de Marina Silva na disputa devem
acentuar, por um lado, a vantagem de Dilma no Nordeste (onde Campos era mais
popular) e, por outro lado, tirar votos da petista nas grandes cidades (onde
Marina tem um eleitorado mais forte). Como consequência, a tendência é que o PT
se encastele ainda mais no Nordeste, onde estão 52% dos beneficiados pelo Bolsa
Família (a região tem apenas 27,7% da população brasileira).
"O governo vai se fiar nesses
programas de transferência de renda, porque a gerência
macroeconômica é débil, a inflação é crescente, o crescimento
econômico tem sido pífio", diz o professor Carlos Pereira, da Fundação
Getúlio Vargas.
O efeito do Bolsa Família nas
eleições de 2006 e 2010 foi objeto da análise de pesquisadores do Instituto de
Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). Conclusão: havia uma forte
correlação entre o voto no PT e a participação no programa do governo.
Independentemente da postura dos adversários de
Dilma Rousseff, a maior parte dos eleitores que recebem o Bolsa Família
não arrisca apoiar aquilo que veem como uma aposta duvidosa. Para o jogo
democrático, o efeito é desastroso. Se o único critério na escolha do candidato
é o Bolsa Família, o eleitor vota sem levar em conta outros temas essenciais,
como as políticas para saúde, segurança e o combate à corrupção. “É como se nós
tivéssemos voltando para o século XIX, com os currais eleitorais fechados”, diz
o professor José Matias-Pereira, da UnB.
Como o número de beneficiários do
Bolsa Família cresce continuamente, é cada vez maior o
contingente de eleitores que escolhe seu candidato presidencial apenas com base
no receio de perder o pagamento mensal. “O coronel local está sendo
substituído pelo coronel federal. Mas o padrão é o mesmo: o modelo
patrimonialista onde indivíduo usa os bens do estado para se beneficiar politicamente
ou em benefício próprio”, afirma o professor da UnB.