sábado, 24 de dezembro de 2016

BOM NATAL

Um edito de César ordenara que naquele ano se fizesse o censo do povo. Cada qual deveria dirigir-se à Cidade de Davi para registrar o nome, o ofício, o lugar de habitação. “Que deseja César”, perguntavam atemorizados. Sim, falava-se em guerras, no aumento dos impostos e até mesmo na expulsão de certas tribos, apontadas como pouco simpáticas a Roma e à classe dominante dos sacerdotes do Templo de Jerusalém. Murmurava-se que, naquele ano, iriam cumprir-se as profecias com o aparecimento do Salvador prometido. As rebeliões mais recentes perduravam na lembrança do povo, a repressão sanguinária, o ódio, a miséria, eram relatados pelos mais velhos. César estava atento, pelos olhos dos governadores da Judeia, do Tetrarca seu aliado, das legiões ímpias e brutais. Desobedecer ao edito seria o mesmo que denunciar-se como inimigo de Roma. Não seria aquele pobre carpinteiro de Nazaré que ousasse semelhante desafio. “Maria está nas vésperas do seu grande dia”, comentavam. “Como viajar até Belém, por esses caminhos povoados de salteadores e na quase certeza de não achar pouso na cidade?” Nenhum argumento convenceu o carpinteiro. A lei tinha de ser cumprida. Assim o desejava também a corajosa mulher. Mais arriscariam, deixando de atender a ordem do governo, enfrentando a suspeita de revolta contra a autoridade de César e de cumplicidade com a rebelião latente. Partiram e, como lhes tinham dito, não encontraram hospedaria em Belém, e já tarde da noite viram uma gruta abandonada, na qual se recolhiam animais do pasto. Ali estavam montes de palha seca para abrigá-los do frio. O céu tão claro, as estrelas vivas, e era pela meia-noite quando a mulher sentiu que chegara a sua hora. Tudo se passou com simplicidade, ao jeito das outras mulheres do povo. O carpinteiro ajuntou as palhas e fez um pequeno berço, e os dois reclinaram-se sobre a criança, em atitude de adoração, como todos os pais se reclinam e adoram os filhos que acabam de nascer. E agradeceram a Deus porque Maria não tivera dores do parto e o menino era forte e bem conformado. Os galos começaram a cantar e amiudavam, indicando que se aproximava a madrugada. Assim, não se surpreenderam com a grande luz que enchia o espaço, e José, saindo fora, viu que era uma estrela, no lado oriente, e não o Sol, que ainda não se levantara. Com o coração cheio de alegria pelo nascimento do filho, o carpinteiro não achou espantosa aquela claridade. Só depois, quando viu pastores que marchavam no rumo da estrebaria, começou a ter medo. Quem sabe, aqueles homens eram os proprietários do lugar, ou vinham em seu nome para tirá-los dali? Aonde iriam então, no começo da fria madrugada, e o menino envolvido em farrapos? E aumentava a luz e mais perto estavam os homens, e o carpinteiro escutou as vozes, e percebeu que eram cânticos. Chegaram e ajoelharam-se ao lado do berço, e, como o carpinteiro estranhasse o que faziam, um deles, que pareceu mais velho, contou que, estando, naquela noite, na guarda das suas ovelhas, foram despertados por um coro celestial, precedido do clarão de uma estrela que se movia no firmamento, e eram anjos que diziam: “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade!” E como se mostrassem atemorizados, adiantou-se o que parecia ser o chefe e disse: “Não temais. Grande notícia vos damos. Nasceu hoje, em Belém, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será dado por sinal: achareis o menino envolto em panos e deitado numa manjedoura”. E repetindo a antífona, ausentaram-se os anjos para o céu, e era uma multidão dos exércitos celestiais. Assim foi a narrativa do pastor, e o carpinteiro parecia maravilhado, enquanto sua mulher, ao lado da criança, conferia aqueles fatos no seu coração, recordando o que lhe dissera o Anjo, no começo de sua gravidez: “Bendita sois entre as mulheres. Bendito é o fruto do vosso ventre”. Voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus, e a estrela apagou-se esmaecida no clarão da manhã. E todas as coisas retornaram à serenidade, como se nada houvera de extraordinário, até que vieram três reis orientais, dizendo que os guiara uma estrela, e ofereceram presentes de ouro, mirra e incenso, símbolos da realeza, ajoelhados diante do Menino. O carpinteiro e a mulher voltam a Nazaré, e, passados oito dias, levaram a criança ao Templo para a circuncisão, e foi-lhe consagrado o nome de Jesus. E José e Maria, segundo a lei, sacrificaram a Deus um par de rolas, que era o que podiam ofertar, em sua indigência.

Jesus Nasceu em Belém, Austregésilo de Athayde

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