Um edito de César ordenara que naquele ano se fizesse o
censo do povo. Cada qual deveria dirigir-se à Cidade de Davi para registrar o
nome, o ofício, o lugar de habitação. “Que deseja César”, perguntavam atemorizados.
Sim, falava-se em guerras, no aumento dos impostos e até mesmo na expulsão de
certas tribos, apontadas como pouco simpáticas a Roma e à classe dominante dos
sacerdotes do Templo de Jerusalém. Murmurava-se que, naquele ano, iriam
cumprir-se as profecias com o aparecimento do Salvador prometido. As rebeliões
mais recentes perduravam na lembrança do povo, a repressão sanguinária, o ódio,
a miséria, eram relatados pelos mais velhos. César estava atento, pelos olhos
dos governadores da Judeia, do Tetrarca seu aliado, das legiões ímpias e brutais.
Desobedecer ao edito seria o mesmo que denunciar-se como inimigo de Roma. Não
seria aquele pobre carpinteiro de Nazaré que ousasse semelhante desafio. “Maria
está nas vésperas do seu grande dia”, comentavam. “Como viajar até Belém, por
esses caminhos povoados de salteadores e na quase certeza de não achar pouso na
cidade?” Nenhum argumento convenceu o carpinteiro. A lei tinha de ser cumprida.
Assim o desejava também a corajosa mulher. Mais arriscariam, deixando de
atender a ordem do governo, enfrentando a suspeita de revolta contra a
autoridade de César e de cumplicidade com a rebelião latente. Partiram e, como
lhes tinham dito, não encontraram hospedaria em Belém, e já tarde da noite
viram uma gruta abandonada, na qual se recolhiam animais do pasto. Ali estavam
montes de palha seca para abrigá-los do frio. O céu tão claro, as estrelas
vivas, e era pela meia-noite quando a mulher sentiu que chegara a sua hora. Tudo
se passou com simplicidade, ao jeito das outras mulheres do povo. O carpinteiro
ajuntou as palhas e fez um pequeno berço, e os dois reclinaram-se sobre a
criança, em atitude de adoração, como todos os pais se reclinam e adoram os
filhos que acabam de nascer. E agradeceram a Deus porque Maria não tivera dores
do parto e o menino era forte e bem conformado. Os galos começaram a cantar e
amiudavam, indicando que se aproximava a madrugada. Assim, não se surpreenderam
com a grande luz que enchia o espaço, e José, saindo fora, viu que era uma
estrela, no lado oriente, e não o Sol, que ainda não se levantara. Com o
coração cheio de alegria pelo nascimento do filho, o carpinteiro não achou
espantosa aquela claridade. Só depois, quando viu pastores que marchavam no
rumo da estrebaria, começou a ter medo. Quem sabe, aqueles homens eram os
proprietários do lugar, ou vinham em seu nome para tirá-los dali? Aonde iriam
então, no começo da fria madrugada, e o menino envolvido em farrapos? E
aumentava a luz e mais perto estavam os homens, e o carpinteiro escutou as
vozes, e percebeu que eram cânticos. Chegaram e ajoelharam-se ao lado do berço,
e, como o carpinteiro estranhasse o que faziam, um deles, que pareceu mais
velho, contou que, estando, naquela noite, na guarda das suas ovelhas, foram
despertados por um coro celestial, precedido do clarão de uma estrela que se movia
no firmamento, e eram anjos que diziam: “Glória a Deus nas alturas e paz na
Terra aos homens de boa vontade!” E como se mostrassem atemorizados,
adiantou-se o que parecia ser o chefe e disse: “Não temais. Grande notícia vos
damos. Nasceu hoje, em Belém, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos
será dado por sinal: achareis o menino envolto em panos e deitado numa
manjedoura”. E repetindo a antífona, ausentaram-se os anjos para o céu, e era
uma multidão dos exércitos celestiais. Assim foi a narrativa do pastor, e o
carpinteiro parecia maravilhado, enquanto sua mulher, ao lado da criança,
conferia aqueles fatos no seu coração, recordando o que lhe dissera o Anjo, no
começo de sua gravidez: “Bendita sois entre as mulheres. Bendito é o fruto do
vosso ventre”. Voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus, e a
estrela apagou-se esmaecida no clarão da manhã. E todas as coisas retornaram à serenidade,
como se nada houvera de extraordinário, até que vieram três reis orientais,
dizendo que os guiara uma estrela, e ofereceram presentes de ouro, mirra e
incenso, símbolos da realeza, ajoelhados diante do Menino. O carpinteiro e a
mulher voltam a Nazaré, e, passados oito dias, levaram a criança ao Templo para
a circuncisão, e foi-lhe consagrado o nome de Jesus. E José e Maria, segundo a
lei, sacrificaram a Deus um par de rolas, que era o que podiam ofertar, em sua
indigência.
Jesus Nasceu em Belém, Austregésilo de Athayde
Nenhum comentário:
Postar um comentário